Herstória
O art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional propõe, como finalidade para a educação superior, a participação no processo de desenvolvimento a partir da criação e difusão cultural, incentivo à pesquisa, colaboração na formação contínua de profissionais e divulgação dos conhecimentos culturais, científicos e técnicos produzidos por meio do ensino e das publicações, mantendo uma relação de serviço e reciprocidade com a sociedade. Ainda, segundo o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (1), a partir desses marcos legais, as universidades brasileiras, especialmente as públicas, em seu papel de instituições sociais irradiadoras de conhecimentos e práticas novas, assumiram o compromisso com a formação crítica, a criação de um pensamento autônomo, a descoberta do novo e a mudança histórica.
De acordo com o que estabelece o texto constitucional e a LDB, portanto, a educação está fundamentada na liberdade, a qual deve ser garantida à prática docente, diante dos delineamentos constitucionais e legais. Além disso, deve refletir- nas práticas de gestão e convivência no ensino, pesquisa e extensão, os quais devem se voltar à autonomia de pensamento, na reflexão crítica e na construção de humanos como sujeito de suas próprias referências.
Diante de tal contexto, há, para as Instituições de Ensino Superior (IES), a urgência em participar da construção de uma cultura de promoção, proteção, defesa e reparação dos direitos humanos, por meio de ações interdisciplinares, com maneiras diversas de relação de múltiplas áreas do conhecimento humano com seus saberes e práticas. Para tanto, enumeram-se variadas iniciativas no território brasileiro, introduzindo a temática dos direitos humanos nas atividades do ensino de graduação e pós-graduação, pesquisa e extensão, além de iniciativas de caráter cultural.
A importância de se realizarem ações voltadas aos direitos humanos destaca-se ainda mais se for observado o atual panorama de desigualdade de várias ordens, exclusão social, agravamento da violência. Para isso, as instituições de ensino superior precisam apresentar respostas a fim de que contribua com a capacidade crítica dos acadêmicos, por meio de um postura democratizante e emancipadora que sirva de parâmetro para o grupo social.
Frente às atribuições constitucionais da universidade no ensino, na pesquisa e na extensão, infere-se que a produção do conhecimento em seu âmbito é o motor do desenvolvimento científico e tecnológico e de um compromisso com o futuro da sociedade pátria, com a promoção do desenvolvimento, da justiça social, da democracia, da cidadania e da paz.
A par disso, o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (ONU, 2005) propõe construir uma cultura universal de direitos humanos por meio da difusão do conhecimento, de habilidades e atitudes. Assim, indica o caminho para as instituições de ensino superior, as quais devem formar cidadãos(ãs) hábeis para participar de uma sociedade livre, democrática e tolerante com as diferenças étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre tantas.
Em tal aspecto, a educação voltada às diferenças, com o objetivo de eliminar as desigualdades, pode ser incluída por meio de diferentes modalidades, tais como, disciplinas obrigatórias e optativas, linhas de pesquisa e áreas de concentração, transversalização no projeto político-pedagógico, entre outros.
Aqui, destaca-se que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental(2) listam, entre seus objetivos, “promover o cuidado com a comunidade de vida, a integridade dos ecossistemas, a justiça econômica, a equidade social, étnica, racial e de gênero, e o diálogo para a convivência e a paz”. Em seu art. 14, aponta que a abordagem curricular deve relacionar “a dimensão ambiental à justiça social, aos direitos humanos, à saúde, ao trabalho, ao consumo, à pluralidade étnica, racial, de gênero, de diversidade sexual, e à superação do racismo e de toda s as formas de discriminação e injustiça social”.
Vê-se que a legislação brasileira e o conjunto de normativas que orientam o ensino estabelecem, como diretriz, a imprescindibilidade de se trabalhar temas relativos a gênero, em uma perspectiva que aposte na autonomia, no reconhecimento das diferenças, na promoção de direitos e no enfrentamento do preconceito, da discriminação, da violência e da desigualdade.
No âmbito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, dentre diversas ações já desenvolvidas sobre a temática gênero, criou-se a Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidades (Saad), visando a novas ações de inclusão e de apoio à comunidade universitária, planejadas em parceria com outros setores da Universidade ligados a questões de gênero, e fobias relacionadas à mulher e ao público LGBT.
Sabe-se, conforme afirmado pela secretária da Saad, Francis Tourinho, que é preciso investir em uma série de atividades, desde conscientização, a pesquisas e criação de serviços de apoio para quem sofre discriminação no campus (3).
No âmbito do Centro de Ciências Jurídicas, em 2015, acadêmicos e acadêmicas já haviam denunciado, por meio de uma intervenção local, falas discriminatórias contra dissidências de gênero, gênero, raça e classe, por meio do Movimento #SeuSilêncioCompactua. Foi um importante movimento para que a Professora Grazielly Alessandra Baggenstoss passasse a repensar o Direito e o ensino do Direito na UFSC.
Diante desse cenário, iniciou-se, em março de 2016, o Projeto de Pesquisa e de Extensão “Direito das Mulheres”, cujo enfoque seria analisar a tensão existente entre o dever ser de nosso ordenamento jurídico e a realidade social.
O projeto, coordenado pela Professora Doutora Grazielly Alessandra Baggenstoss, contou como como pesquisadoras a Professora Doutora Luana Renostro Heinen, Mestra Amanda Muniz Oliveira (doutoranda em Direito na UFSC), Marília Cassol Zanatta (Assessora Jurídica do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC), Helena Martinez Faria Bastos Regis (acadêmica do Curso de Direito da UFSC e bolsista do projeto), Aline Amábile Zimmermann (acadêmica do Curso de Direito da UFSC), Gabriela Essig (acadêmica do Curso de Direito da UFSC), Gabriela Neckel Ramos (acadêmica do Curso de Direito da UFSC), Isis Regina de Paula (acadêmica do Curso de Direito da UFSC), Jaqueline Arsie (acadêmica do Curso de Direito da UFSC), Jessyka Zanella Costa (acadêmica do Curso de Direito da UFSC), Juliana de Alano Scheffer (acadêmica do Curso de Direito da UFSC), Marina Barcelos de Oliveira (acadêmica do Curso de Direito da UFSC), Valéria Magalhães Schneider (acadêmica do Curso de Direito da UFSC).
Nesse projeto, partiu-se da ideia de que o direito preza claramente pela liberdade, igualdade e fraternidade como direitos inatos às mulheres. No entanto, tais direitos não se realizam em sua completude. Pretende-se, então, apresentar extratos de nossa percepção dessa tensão. As temáticas trabalhadas no ano de 2016 são condizentes com os Grupos de Trabalho da pesquisa, quais sejam Direitos Fundamentais, Violências, Direito de Família e Direito do Trabalho.
Com a realização do Projeto de Pesquisa e Extensão Direito das Mulheres, no ano de 2016, propôs-se a criação da disciplina optativa Direito e Feminismos, a qual, de proposta deferida, passou a ser ministrada a partir do primeiro semestre de 2017. Em tal espaço de discussão sobre o recorte de gênero, verificou-se, empiricamente e por meio de relatos dos estudantes, o quanto tal temática não é abordada de modo suficiente (às vezes, nem mencionado) em determinadas disciplinas. Em composição ao ensino, iniciou-se, a partir de 2017, o Programa de Extensão Lilith, contemplando pesquisas e extensão na temática Feminismos.
Entende-se que o direito, especialmente ao consagrar a liberdade e igualdade, pode ser um instrumento para impedir ou reduzir opressões e, com isso, contribuir para a redução da desigualdade entre os gêneros e, igualmente, em razão da raça, da classe e de dissidências de gênero. A partir de então, tomamos um amplitude maior das temáticas possíveis de serem trabalhadas com feminismos, com o incremento teórico do pensamento decolonial, da interseccionalidade, dos transfeminismos, do feminismo crítico marxista e do feminismo libertário (não liberal 😉 ).
Assim, desde 2017-1, na parte do ensino, apresentamos a matéria Direito e Feminismos do Curso de Graduação em Direito, a qual contou com o apoio forte e gracioso das Pesquisadoras e Professoras Cristiane Mare da Silva, Daniela Rosendo, Raíssa Nothaft, Claudia Nichnig, Mariana Franco, Yasmin Yonekura que nos trouxeram perspectivas e explanação acerca de vivências mulheris, tanto de forma teórica quanto de forma contextualizada.
Na parte da pesquisa, em 2018, diante do imprescindível enfrentamento acerca da temática gênero de modo entrelaçado com outro recortes, com o objetivo de conscientização e, consequentemente, de prevenir violências e de eliminar as desigualdades relativas a tais temas, o Núcleo de pesquisa é formado por professoras e pós-graduandas que focam seus estudos nessas temáticas, quais sejam: Juliana Alice Gonçalves Fernantes, Athena de Oliveira Bastos, Amanda Muniz, Beatriz Coelho e Thais Pertille.
Por fim, continuemos, bases teóricas feministas e pelas inquietudes das acadêmicas, na demonstração da qualidade da voz das mulheres sobre suas existências, da postura crítica acerca das contingências de critérios identitários, e, especialmente, denunciando o quanto, até agora, essas vozes foram silenciadas.
(1) Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-plano-nacional-pdf&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192.
(2) Além disso, as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, que se aplicam a todos os sistemas e instituições de ensino, definem como seus fundamentos, entre outros, a dignidade humana; a igualdade de direitos; o reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; a laicidade do Estado e a democracia na educação.
(3) Cf. http://noticias.ufsc.br/2016/06/secretaria-de-acoes-afirmativas-e-diversidades-planeja-a-implantacao-de-uma-delegacia-da-mulher-no-campus/